terça-feira, 20 de junho de 2017

Pesadelo no mês de Junho

Junho, que estavas a ser tão perfeito, não era suposto que se vivesse este inferno nos teus dias - nem em nenhuns outros.

Não soube da tragédia quando o mundo já observava, atónito, o terror impresso nas imagens; quando já se organizavam grupos de apoio; quando alguns já reagiam e intervinham; quando muitos já lamentavam as perdas irreversíveis; quando alguns bombeiros já mostravam sinais de exaustão física e psicológica - se as imagens nos ferem a alma, a presença naquele cenário deve esmagar qualquer um, por mais forte que seja ou por mais preparado que esteja; quando muitos já não tinham lágrimas porque o que sobrou não compensa o que se perdeu; quando muitos se afligiam com a falta de respostas; quando muitos procuravam por algo que já estava perdido para sempre; quando o sofrimento já estava instalado no coração de Portugal e do mundo; quando muitos já viviam um luto pesado e asfixiante. Só soube da tragédia no Domingo à hora de almoço. 
Há dias em que me isolo do mundo (não do meu nem do mundo dos meus) e isso inclui, naturalmente, os meios de comunicação televisão e Internet. Este fim de semana foi um desses casos e eu vivi na ignorância durante algumas horas. Entrei na serra da Arrábida Domingo de manhã (às 8 da manhã) e, ainda sem saber da tragédia, pensei que um incêndio naquela zona seria devastador, tal como foi há uns anos atrás. Afastei o pensamento, como se desta forma pudesse evitar que algo acontecesse. Segui com o meu filho para a praia. Mergulhámos e brincámos. Às 10:30 saímos da praia e regressámos ao trilho de alcatrão da serra. Já em casa, depois de uma sesta, é que soube o que estava a acontecer, num outro trilho, num outro distrito, numa outra realidade, numa nuvem de profunda tristeza. Só nessa altura é que me caíram as primeiras lágrimas ao ver alguns relatos. Só aí é que me lembrei que alguém que me é relativamente próximo estava a passar o fim de semana prolongado numa terra ali perto - numa altura destas todos nos são relativamente próximos. Ligo uma vez e não atende. Ligo outra e não atende. Mas o telemóvel está ligado, o que é um bom indício. Lá me retribuiu a chamada e confirmou-me que sim: que a sua casa é ali perto, que viu o fogo ao longe, que sentiu o peso das cinzas, que teve medo, que não regressou no sábado à noite porque não sabia por que estrada regressar - ninguém lho sabia dizer, que regressou mais cedo a casa (já no domingo) por um percurso diferente do habitual - a "estrada da morte" seria a estrada por onde regressaria se este pesadelo não tivesse acontecido. Mas aconteceu. E sentimo-nos todos pequenos e tristes perante tamanha tragédia e, ao mesmo tempo, aliviados por não estarmos lá. Não estamos lá, mas estão lá gentes nossas, terras nossas, património nosso, natureza nossa. Natureza essa que se virou contra nós... Ou será que não? Talvez a natureza nos tenha falhado (não é a única culpada), mas nós também já lhe falhámos muito. E tomamos consciência de que não estamos a viver isto como devíamos, não estamos a aproveitar a viagem da melhor maneira, não estamos a acrescentar o que devia ser acrescentado...
Contrariando muitos dos que são os meus desejos para Junho, desejo agora que chova muito. Que chova mesmo muito. Vá lá natureza, eu sei que já falhámos muito contigo, mas não nos falhes agora!

Imagem retirada daqui

Pedrogão Grande, faz jus ao nome que carregas e renasce das cinzas que acabaste de herdar. 

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